Os Pobres - Cap. 25: XXIV - O ladrão e a filha Pág. 142 / 158

.. Ainda tentou avançar sem ruído, contendo a respiração, para deitar as unhas de repente e afogá-la.

Não pôde... Tinha uma missão a cumprir e não conseguia executá-la.

– Terei eu medo? terei eu medo?

E apertava uma contra a outra as mãos frias e enormes.

Esbarrava contra um muro vivo de ternura. A sua alma torcia-se na nudez imensa da noite, esmagado entre duas forças contraditórias que lhe pesavam como montanhas. Olhou para o céu – para as estrelas inúteis.

A criança dormia no fundo do barco. E aquelas duas forças quase as via avançar sobre ele cada vez maiores.

O drama passava-se no silêncio da noite e sem poder separar a ternura do acto feroz e necessário que meditara.

A sua concentração atingia o desespero.

Por fim deitou-lhe as mãos e ela acordou:

– Pai! pai!

E imaginando que ia brincar encostou-se à cabeça curvada sobre ela e exclamou:

– As estrelas! as estrelas!... O Rosa! ó Rosa! ó Rosa!... Pai, tu sim tu és meu amigo... Que lindo lá em cima!... Pai!...

Pela boca inocente e pura fala agora o mundo a que pertencemos todos, nós e os ladrões das estradas.

Ele detém-se esmagado. Já não pode ir até ao fim.

Imobilizado ouve-a, com horror, e sente-lhe ao mesmo tempo a mãozinha nas mãos enormes. Imobilizado de dor o ladrão nem se atreve a falar.

Aquilo que julgava fácil era impossível. Matá-la era melhor, mas não podia. Tinha de aceitar o destino: o soldado vesgo, o Velho que a esperava com a alegria duma fera que sente a presa próxima e escancara as fauces temerosas. Soltou devagarinho a corda, dirigiu o barco para terra e, deitando a correr desvairado, com a criança nos braços, foi entregá-la à viela.





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