Os Pobres - Cap. 1: Carta-Prefácio Pág. 16 / 158

Reze o triunfo do amor, a alegria ascendente da natureza, a marcha épica da vida pelo caminho eterno, que não tem fim. Reze chorando, mas lágrimas fecundas, que façam parir a terra, palpitar o seio e germinar a semente. Lágrimas de aurora, orvalho vivo e criador. Rezar e chorar, mas heroicamente, na acção e na luta, no mundo e para o mundo. Rezar, como Nuno Álvares, entre o fogo ardente da batalha.

Enganam-se os que vão para Deus, voltando as costas à natureza. Quem se quiser salvar, há-de salvar os outros.

Quem renegar a natureza, renega Deus. A ascese egoísta, eis o ateísmo verdadeiro. A imobilidade é sacrílega, a escuridão é sacrílega, o silêncio é sacrílego. A vida é som, é luz, é movimento. A vida marcha por abismos, trágica e formidável, mas ruidosa e sinfónica, vestida de luz e de mil cores. Amortalhá-la de negro, arrancar-lhe a língua, para que não cante, e os olhos, para que não deslumbre e não dardeje, é como se lhe cravássemos no coração uma facada sinistra. O quietismo beato, apagando o universo, apaga Deus. Quietismo e niilismo, – dois zeros, dois sinónimos. O frade católico, na concha da mão, exangue e paralítica, sustenta uma caveira. o nada olhando o não ser. O monge ideal, na dextra poderosa, em vez da caveira, tem um globo de oiro constelado. Tem o universo. É o monge futuro.

Seja ele o tipo a que se encaminhe, embora de longe, a nossa fé e a nossa arte. Rezemos, vivificando e sublimando. Arte criadora, que seja pão e seja luz.

Se nos acusarem de hipócritas, deixá-los acusar; mentem. E a mentira só aos mentirosos prejudica. Se nos amesquinharem a fama e cercearem a glória, desviando de nós as multidões, que não pensam e vão para onde as levam, melhor. Os que nos querem, os que nos amam, os que nos entendem, ficarão connosco.





Os capítulos deste livro