Os Pobres - Cap. 4: III - As mulheres Pág. 28 / 158

III - As mulheres

Ao vir a noite põem-se as prostitutas a cantar; entre as pedras ressequidas e o ruído humano põem-se as prostitutas a cantar. São pobres seres de descalabro e piedade, lama que o homem gera de propósito para o gozo. A treva leva e dispersa essa toada em farrapos, os flocos de tristeza, que são como a alma, a aflição da noite, a soluçar. Noite... Remorsos, sonhos, soou a vossa hora! De blocos negros se constrói outra cidade... Há ainda claridades esparsas, que a Sombra calada, a tactear, de súbito afoga sem rumor. E de entre as meias portas surgem fisionomias como só o remorso as cria: diríeis, de tristes e cansadas, que se vão diluir como as das mortas.

E a hora de o gato-pingado descer as escadas a passos cavos, de o Gebo contar sempre a mesma história desconexa, de os pobres saírem à procura de pão..

No escuro as mulheres falam para se esquecerem.

Às vezes somem-se as bocas e da treva irrompe aquela voz de tragédia, como se a treva falasse, ao que dum canto a escuridão responde:

– Ó tu!...

– Que é?

– Lembrou-me agora uma coisa.

– O quê?

– Nesta vida sabeis o que há de pior? É nem a gente poder estar triste.

– Aí começas tu...

Lento e lento, a noite que cai as afoga e na escuridão sente-se pairar a desgraça... Calam-se e depois a mesma voz começa:

– Vem um, quer que eu me ria, vem outro e quer-me triste. Quem entra que se lhe importa?

– E então?

– Nada. Mas inda assim olhai que é triste a gente não poder ao menos lembrar-se...

– De quê?

– Do que lá vai...

– Melhor é a gente não se lembrar do que passou.

– Tomara eu ser morta – afirma outra voz.

– E tu?

– Eu? tu falas para mim? – pergunta uma magra surgindo do escuro. – Tomara eu não ter memória, para não tornar a vê-la, como quando a vi estirada no caixão, por vê de mim.





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