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– Quem? 
– À minha mãe. 
– Ah!... 
– Pois é... – diz a primeira voz. – Nesta vida a gente não se deve lembrar. Toca a cantar, raparigas... 
Cantai! 
E as mulheres continuam a cantar, numa toada  esfarrapada e lenta. Depois calam-se e uma torna a falar. 
Dizem sempre as mesmas palavras, mais para fazerem ruído do que para que as escutem. Há uma que ri de tudo. É magra, pálida e gasta. Traz um pacho negro num olho e ri sempre, com um ar de máscara, de si, das outras e de todas as desgraças. 
– Eu sou a Mouca – começa ela às risadas. – A minha mãe deitou-me fora era eu pequenina, e eu, se tivesse uma filha, botava-a à roda pra ganhar a vida. 
Tomaram conta de mim os ladrões, cresci na rua e a minha cama eram as pedras dos portais... Tomaram conta de mim os ladrões. Vidas! vidas!... 
– Tu não te calarás! 
– Em pequena andei todo um inverno com uma camisa rota. Até foi bom, agora não sinto o frio. Depois moeram-me. Vocês não querem saber? Calcavam-me aos pés por nada. Aprendi. Muito custa a levar a vida... Aos trezes anos um ladrão desfrutou-me. Era um velho careca que parecia um S. Pedro. Chamavam-lhe o Lesma, vocês hão-de ter ouvido falar. A gente só aprende à sua custa. 
Vidas! vidas!... Eu sou feita de terra, da terra que todo o mundo pisa, mas também já tenho calçado. Ele há desgraças piores, eu sei que há. Já vi gente morrer por não ter uma côdea pra a boca. Olhai que eu conheço a desgraça. Tenho-a encarado... Faz mal quem se abaixa... 
Um dia a gente põe-se a gostar dum homem e inda é pior. Que se lhe há-de fazer? Todas temos de nos sujeitar, todas somos o mesmo, as ricas e as que não têm uma  sede de água. O pior é quando se começa a gostar dum homem... 
Vocês sabem o que e o amor? O amor é cada qual ser como um cão.