Os Pobres - Cap. 5: IV - O Gabiru Pág. 37 / 158

Deles tiro emoção para o meu sonho.

Depois fecho-me nesta trapeira alta, construída nos telhados e donde se vêem seres admiráveis: labaredas verdes que se agitam – e são árvores; nuvens pousadas sobre a terra com oiro a flux ou então dum violeta desfalecido – e são montes; e rolos que correm vivos e fluidos – e são rios. Muito tempo levei a decifrar-lhes o nome. Nenhum dos desgraçados o sabia, porque o Hospital enorme entaipa a cidade, e essa vida húmida, torrentes de detritos, árvores, primaveras, gritos de sol, é desconhecida a todos os que sofrem lá em baixo, entre o granito ressequido. Só outro pobre, o Pita, da trapeira contígua vê como eu a prodigiosa natureza – a Mãe.

Oh! e há horas, quando uma neblina de sol cai sobre as coisas estarrecidas, todas verdes, em que eu quase toco o mistério. Ouço as palavras da natureza numa linguagem de que não compreendo o sentido. Os sons são sílabas perdidas, umas de oiro, outras verdes. O ar é fino, alma empoada de luar, as árvores desmaiam e os grandes montes pálidos, onde o sol deixou fuligem, que vai esmorecendo até ao vir da noite, falam baixinho, entontecidos. Mais tímido é o murmúrio das fontes, como se não quisessem perturbar o espantoso diálogo.

É esta a melhor hora para se ouvir e em que eu quase entendo as palavras, Há coisas desfalecidas:

árvores vão tombar de emoção e de tudo o que existe sai uma prodigiosa alma etérea e viva, que me envolve e toca, e que fala! que vai falar!...

Donde nasce esta beleza? donde vem tudo isto?...

Se um homem cai prostrado e grita, as suas palavras ígneas são apenas sons que, misturados a outros gritos de dor, formam palavras dum monólogo enorme. E credes que existam montanhas, águias, o mar, crede-lo por ventura?...





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