Os Pobres - Cap. 9: VIII - Memórias de Luísa Pág. 59 / 158

VIII - Memórias de Luísa

É assim a história duma das mulheres.

«Tive sempre frio. Esta impressão de ter os ossos gelados vem de muito longe, de pequenina.

Nunca tive mãe, nem ninguém. Fecho os olhos e só vejo o Asilo, os corredores húmidos, o dormitório, o frio refeitório abobadado de granito. Toda aquela pedra parecia sepultar-nos.

Também guardo de pequenina esta impressão: a vontade que tinha de beijar, sem ter ninguém a quem dar beijos. Todos os que eu conhecia eram hirtos.

Vou ver se me lembro bem... Primeiro é tudo confuso: depois vai-se espancando a névoa e eu recordo a triste existência do Asilo.

Noite ainda nos erguíamos para rezar. Tocava um sino. Mal sabíamos andar, trôpegas como velhinhas. A algumas era preciso vesti-las. A Irmã ralhava se nos demorávamos. Aquele sono da manhã de que nos arrancavam era como a cova e o esquecimento. Antes nos deixassem dormir para sempre. Para que vem a gente ao mundo?

De tantas que conheci, quase todas, mais felizes, morreram por não terem mãe.

Todas, tão pequeninas, tinham o ar de serem já crescidas. E não sei que de amargo, de reflectido, de sofrimento, de experiência da vida. Brincavam sem risos pelos cantos, com bichos, com pedrinhas. Uma vez uma disse alto:

– Ó mamã!...

E foi um escândalo. Onde aprendera ela, que não tinha mãe, a pronunciar aquela palavra?

Quereis crer? Só tenho esta imagem: pareciam velhinhas recolhidas, tristes por não terem filhos.

E no entanto eu curto saudades dessa negra existência do Asilo.

Na cerca havia um curral com vacas, que nos davam um leite aguado. Duma vez uma, já eu era grande, toda a noite gemeu. Por piedade perguntei ao hortelão o que ela tinha.

– Soidades por lhe levarem o filho.

E há mães que os deitam fora!

Muito deve custar a morrer a uma mãe que deixa no mundo um filho para o Asilo!

Havia as grandes, as médias e as pequenas.





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