As grandes eram desajeitadas, de mãos enormes, com vestidos negros e grossos. E todas eram feias. Faltava-lhes não sei que graça, que só existe nas que têm mãe, por mais feias que sejam: seres de abandono, plantas que vivem estioladas...
Às vezes o senhor provedor visitava-nos. Era um homem seco, ríspido, de cara rapada, que nos vinha lembrar que vivíamos por esmola:
– É preciso que se recordem disto: a sua vida devem-na aos benfeitores.
Ele próprio era um benfeitor. O seu retrato lá estava colocado ao pé dos outros, com o mesmo caixilho fúnebre. Era o último da sala enorme, gelada, onde os passos ecoavam, toda cheia de retratos em torno. Os benfeitores!... – Dir-se-ia uma galeria de afogados, todos solenes, secos, hirtos, de lábios finos e ar de cerimónia.
Todas as noites as Irmãs nos faziam rezar por eles, a quem devíamos o pão e a vida.
Era proibido falar, a não ser às horas do recreio, e isto explica talvez os vincos que todas tínhamos, ainda as mais pequeninas, aos cantos da boca.
O melhor sítio do Asilo era a enfermaria, por isto:
era mais quentinho; dava-lhe o sol todo o dia e viam-se as árvores da cerca; e por a Irmã enfermeira ser a única que tinha coração e que gostava de nos beijar. Todas éramos amigas dela.
É curioso. Lembro-me das grandes árvores que de lá se avistavam, mas só as recordo descarnadas e despidas, num céu pálido. Sempre no inverno.
Tenho ainda a impressão de ter os joelhos frios e doridos. Nunca mais consegui aquecê-los.
O pão do Asilo tinha um sabor que nunca encontrei em outro pão, por mais desgraçados que fossem os meus dias: um gosto amargo e requentado.
E em todo o refeitório havia um cheiro idêntico.
Todo, até o Cristo, até o caldo aguado, a mesquinha ração que nos davam, parecia dizer-nos:
«Olhai que viveis por caridade! Habituai-vos à desgraça!
» Quereis crer? Muito mais caridoso seria afogar as crianças que não têm mãe.