Ter os mesmos direitos que as árvores e os bichos à imortalidade humilha-me, e fazendo-me humilde torno-me melhor, mais irmão do que é pequeno e desgraçado.
Só as criaturas que sofrem é que são dignas de viver, e na verdade são as únicas que vivem.
No tempo infinito e no espaço limitado as moléculas agregam-se, desagregam-se... Só química, só a química existe... As moléculas, que têm em si a força vital, são hoje árvore, amanhã animal, pedra, homem.
Conforme o quê? o que é que as modela?...
Eis-me: eu fui e continuarei a ser neste oceano trágico o que o acaso determinar, conforme as minhas moléculas, amanhã desagregadas, se unirem a outras mais tarde... Tenho vivido até aqui – continuarei assim pela eternidade.
Quando pois me chegar a vez de ser homem. Hei-de viver: quero viver da minha própria vida; quero que fale dentro em mim o universo que eu já fui –a pedra que eu já fui – a árvore que eu já fui – o bicho humilde que eu já fui...
A tua opinião?... De que me serve? E é ela tua, sente-la bem tua, ou é aprendida, falsa, vinda de outros homens que me querem esmagar?...
Qual deve ser o meu fim? Deixar falar todo o universo que compõe o meu ser, deixá-lo pregar com a sua voz rouca – com a sua própria voz e não com a tua.
Se eu trago ódio, deixai-me ser o Ódio; se eu trago riso, deixai-me ser o Riso.
O momento é único, não vale perdê-lo. Por que acaso, por que fúria insana, depois de que rebeldias, de que horas ou séculos de aguilhão, de desespero e raiva, estas moléculas, perdidas num oceano maior que o atlântico, tornarão a ser, se chegarão a reunir para terem a consciência do Universo? E agora vens tu, homem, e queres emudecê-las com as tuas leis, as tuas teorias, os teus sonhos.