Os Pobres - Cap. 12: XI - Luísa e o morto Pág. 74 / 158

A treva espessa em torno e o mesmo ruído da ressaca, a pregar. As nuvens baixas envolviam-nos num fluido negro, ambos tragados pelo deserto da noite. Não se viam e aquelas duas vozes, uma infantil e baixinha, a outra rouca, eram como o diálogo de duas forças ignotas, que o acaso rola no mesmo turbilhão do infinito.

Perguntou-lhe o Morto:

– Como te chamas?

– Chamo-me Luísa.

– Quem te fez mal?

– Ninguém. Estou grávida.

– Ah!...

– Estou grávida. Eu não sabia nada. Estou grávida, acabou-se. Porque é que não ensinam à gente que todos nos querem fazer mal? Uma pessoa devia aprender.

– O quê?

– A ser desgraçada. Há dois dias que não como.

Tenho andado por aí. Botaram-me fora, empurraram-me e eu ando por aí a chorar.

– Vai pra a tua casa.

– Eu sou do Asilo, não tenho ninguém, nem mãe, nem nada.

– Enganaram-te?

– A mim não, ninguém me enganou. Eu não sabia nada. Quando vim do asilo não sabia nada. Um dia apareci grávida e puseram-me fora. Ninguém me quer assim. Quando a gente está grávida que há-de fazer? A gente não tem culpa...

– Não fizesses o filho.

– Eu era uma inocente.

– Ah! – E o ladrão riu-se.

– Não sabia nada, juro-lhe pela minha salvação.

– E então?

– Deitaram-me fora do asilo e fui servir. O patrão foi quem me logrou.

É sempre o mesmo caso banal e trágico. Se o homem encontra uma pobre criatura desprotegida e ao desamparo, ilude-a e explora-a. Saída do asilo com uma trouxa debaixo do braço e o discurso do senhor provedor, foi servir. Logo que o patrão viu aquela rapariguinha ao abandono na terra, pôs-se a falar-lhe baixo, às escondidas.

– Era como se me pisassem o coração...

Ela ouviu e depois com um sorriso triste, em que mostrava os dentes agudos de esfaimada, ficava muitas horas cismática e a falar sozinha.





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