O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 78 / 102

Tal só era possível porque eu era radicalmente ambas; e desde muito cedo, ainda antes de o desenvolvimento das minhas descobertas científicas ter começado a sugerir a mais escassa possibilidade de um tal milagre, habituara-me a saborear com prazer, como uma ilusão apaixonada, a ideia da separação destes elementos. Se cada um deles, dizia a mim próprio, só pudesse ser alojado em diferentes identidades, a vida seria aliviada de tudo o que era insuportável; o injusto poderia seguir o seu caminho, liberto das aspirações e do remorso do seu gémeo virtuoso; e o justo poderia seguir com firmeza e segurança o seu percurso ascensional, praticando as boas acções em que achava o seu prazer, e já sem estar exposto à desgraça e à penitência pelas mãos desse mal exterior. Era uma maldição para a humanidade que esses feixes incongruentes estivessem deste modo ligados entre si - que, no agonizante ventre da consciência, estes gémeos polares vivessem em permanente conflito. Então, como se deviam dissociar?

Estava eu neste ponto das minhas reflexões quando, como já disse, sobre a mesa do laboratório começou a incidir a luz que iluminava o problema. Comecei a compreender, de uma forma mais profunda do que alguma vez já fora enunciada, a palpitante imaterialidade, a nebulosa transitoriedade deste corpo, aparentemente tão sólido, que nos reveste a alma. Descobri que determinadas substâncias têm o poder de abalar e remover este invólucro de carne, tal como o vento é capaz de abrir as cortinas de um pavilhão.





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