Cândido não ganhou coragem, mas seguiu a velha até um casebre. Ela deu-lhe um boião de pomada para se friccionar, deixou-lhe de comer e de beber e mostrou-lhe uma cama bastante limpa, junto da qual se encontrava uma muda de roupa completa,
- Bebei, comei e dormi - disse-lhe ela - e que Nossa Senhora de Atocha, Santo António de Pádua e Sant'Iago de Compostela vos acompanhem. Eu voltarei amanhã.
Cândido, surpreendido com tudo o que tinha visto, com tudo o que sofrera e mais ainda com a caridade da velha, quis beijar-lhe a mão.
- Não é a minha que deveis beijar - disse a velha. -Voltarei amanhã. Friccionai-vos com a pomada, comei e dormi.
Cândido, apesar de tantas infelicidades, comeu e dormiu. No dia seguinte, a velha trouxe-lhe almoço, examinou-lhe as costas e esfregou-lhas ela própria com outra pomada. Trouxe-lhe o jantar e depois a ceia, quando se fez noite. No dia imediato voltou a repetir tais visitas.
- Quem sois vós - perguntava Cândido - e que é que vos inspira tamanha bondade? Como poderei mostrar-vos o meu reconhecimento?
A boa mulher, porém, nunca lhe respondia fosse o que fosse, até que uma noite, sem lhe levar de cear, lhe disse:
- Vinde comigo, mas não faleis.
Tomou-lhe o braço e levou-o através dos campos até uma casa isolada, rodeada de jardins e de canais, que ficava a um quarto de milha de distância. A velha bateu a uma portinha. Abriram-na e ela conduziu Cândido por uma escada secreta até um gabinete dourado, instalou-o num sofá de brocado, fechou a porta e desapareceu. Cândido julgava sonhar e considerava toda a sua vida passada como um pesadelo e o momento presente como um sonho agradável.