Cândido - Cap. 11: CAPÍTULO XI - História da velha Pág. 33 / 118

A minha mãe, desesperada, embora menos do que eu, quis arrancar-me por algum tempo de um lugar tão funesto. Como possuía uma linda propriedade perto de Gaeta, para lá embarcámos a bordo de uma galera dourada como o altar de São Pedro de Roma. Eis, porém, que um corsário de Salé nos ataca e nos aborda. Os nossos soldados defenderam-se como verdadeiros soldados do papa, entregando as armas e caindo de joelhos a pedir ao corsário uma absolvição in articulo mortis.

«Imediatamente os despojaram do vestuário, deixando-os nus como macacos, e o mesmo fizeram comigo, com minha mãe e as minhas damas de honor. É de admirar a diligência e a presteza com que eles despem as pessoas. Mas o que mais me surpreendeu foi terem-nos metido a todas o dedo no sítio onde nós, as mulheres, só deixamos meter cânulas. Tal cerimónia pareceu-me muito estranha, pois que não sabemos julgar bem as coisas quando nunca saímos do nosso país. Depressa compreendi que tal acto tinha o objectivo de ver se nós não tínhamos escondido lá alguns diamantes. É um uso estabelecido desde tempos imemoriais entre as nações policiadas que percorrem os mares. Soube que os religiosos cavaleiros de Malta nunca deixam de o cumprir quando se apoderam de turcos ou de turcas. É uma lei do direito das gentes a que nunca se faltou.

«Não vos direi como é duro para uma princesa ser levada para Marrocos como escrava, com sua mãe. Imaginais certamente quanto sofremos no navio corsário. Minha mãe era ainda muito Dela e as nossas damas de honor tinham mais encantos do que é possível encontrar em África. Quanto a mim, eu era a beleza e a graça personificadas e era ainda donzela. A flor que reservara para o príncipe de Massa-Carrara foi-me arrebatada pelo capitão corsário.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113