Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 146 / 158

O pai estava escarangado e a minha madrasta era tão má, que, por eu me demorar num recado, partiu-me um braço.

– Pois eu foi assim de repente... – diz outra.

– Ia pela rua fora. Vinha da fábrica, começou a chover e uma lama!... Tinha frio e um homem pôs-se a falar-me ao ouvido e a levar-me. Eu nem sei como aquilo foi... E a falar, a falar, até me doía o coração! E nunca mais o vi. Se o vir acho que nem o conheço.

– Enganam e nunca mais querem saber.

– A mim minha mãe bem me pregava mas a gente que há-de fazer?

– Ontem os soldados puseram-me o corpo negro – diz uma.

E mostra a triste carne magoada, os seios murchos e com nódoas. No ombro os ossos furam-lhe a pele.

– Quando eu morrer... oh quando eu morrer!...

– Tola!

– Que tem? Tenho ali a roupa apartada.

– A mim, enganaram-me, levaram-me... Eu não sabia nada. Depois comecei a servir. Enganavam-me e punham-me fora... Depois não tinha mais para onde ir...

– Eu cá tive um filho...

Uma que estava calada soluçou no escuro. E como todas se voltassem pôs-se a rir e a ajeitar os cabelos.

– Eu tive um filho e pus-me a criá-lo.

Depois disso o meu amigo nunca mais quis saber.

Quando eu o procurava ria-se. Mostrava-lhe o inocente e ele punha-se a rir. – Mulheres não faltam, dizia-me. Vai-te! – E a gente fica feia. Vai um dia e disse-me: – Se cá tornas chamo a polícia.

– Eu chorei até não ter mais lágrimas e acabou-se tudo. São todos o mesmo. Noutro dia vi-o, mas ele fingiu que não me conheceu.

– E o teu filho era bonito?

– Era um anjinho do céu. Tanto chorei que secou-se-me o leite de chorar. A gente sempre e mais tola!...

Pôs-se muito chupadinho e morreu.

– A Maria já deitou um à roda.

– Eu cá se tivesse um filhinho acho que morria por ele.





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