Cândido - Cap. 5: CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago Pág. 16 / 118

- Nada mais provável- replicou Cândido. - Mas, por Deus, arranjai-me um pouco de azeite e de vinho.

- Provável? - respondeu o filósofo. - Sustento que é coisa demonstrada.

Cândido perdeu os sentidos e Pangloss trouxe-lhe um pouco de água de uma fonte próxima.

No dia seguinte, tendo encontrado algumas provisões de boca entre as ruínas, conseguiram reparar um pouco as forças. Ocuparam-se, em seguida, como os outros, em socorrer os habitantes que tinham escapado à morre. Alguns cidadãos, socorridos por eles, deram-lhes o melhor jantar que seria possível oferecer em Tais circunstâncias. E certo que a refeição foi triste. Os convivas regavam o pão com lágrimas, mas Pangloss consolou-os, assegurando que o que tinha acontecido não podia ter deixado de acontecer.

- Pois - disse ele - tudo isto foi o que de melhor podia acontecer, porque, se há um vulcão em Lisboa, não pode existir noutro lado, visto ser impossível que as coisas não estejam bem onde estão. Tudo está certo.

Um homenzinho vestido de preto, familiar da Inquisição, que estava sentado ao lado dele, tomou polidamente a palavra e disse:

- Aparentemente, o senhor não acredita no pecado original, pois, se tudo corre pelo melhor, não houve queda nem punição.

- Peço humildemente desculpa a Vossa Excelência - respondeu Pangloss ainda mais polidamente -, mas a queda do homem e a maldição entravam necessariamente no melhor dos mundos possíveis.

- O senhor, então, não acredita na liberdade? - disse o familiar.

- Vossa Excelência perdoar-me-á - retorquiu Pangloss -; a liberdade pode subsistir com a necessidade absoluta, porque era necessário que fôssemos livres; porque, enfim, a vontade determinada.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113