Mal puseram pé na cidade, chorando a morte do seu benfeitor, sentem a terra tremer-lhes debaixo dos pés; o mar ergue-se em cachão no porto e desfaz os navios que estavam ancorados; turbilhões de chamas e de cinzas cobrem as ruas e as praças públicas; as casas desabam, os telhados caem e os alicerces dispersam-se. Trinta mil habitantes, de todos os sexos e idades, ficam esmagados sob as ruínas. O marinheiro, assobiando e praguejando, dizia:
- Aqui teremos alguma coisa a ganhar.
- Qual será a razão suficiente deste fenómeno? - dizia Pangloss.
- Isto é o fim do mundo! - exclamava Cândido.
O marinheiro corre imediatamente para o meio das ruínas, afronta a morte para encontrar dinheiro, encontra-o, rouba-o, embriaga-se e, depois de ter cozido a bebedeira, compra os favores da primeira mulher de boa vontade que lhe aparece nas ruínas das casas destruídas e no meio dos mortos e moribundos. Pangloss puxava-lhe pela manga, dizendo-lhe:
- Meu amigo, não está certo o que fazeis. Desrespeitais a razão universal e empregais mal o vosso tempo.
- Sou marinheiro dos pés à cabeça e nasci na Batávia. Já reneguei quatro vezes o crucifixo e a fé de Cristo em quatro viagens ao Japão. Não me importunes, por isso, com a tua razão universal!
Alguns estilhaços de pedra tinham ferido Cândido, que ficou estendido na rua e coberto de destroços. Dizia a Pangloss:
- Ai! Ide ver se me arranjais um pouco de vinho e de azeite; estou a morrer.
- Este tremor de terra não é uma coisa nova - respondeu-lhe Pangloss. - A cidade de Lima, na América, sofreu o mesmo estremecimento no ano passado. E como as mesmas causas têm mesmos efeitos, há certamente uma camada de enxofre debaixo da terra, desde Lima até Lisboa.