Cândido - Cap. 8: CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes Pág. 25 / 118

Mal tinha recobrado os sentidos, quando vos vi completamente nu. Foi então o cúmulo do horror, da consternação, da dor, do desespero. Dir-vos-ei, sem mentir, que a vossa pele é ainda mais branca que a do capitão búlgaro e que tendes uma carnação ainda mais perfeita que a dele. Esta vista agravou os sentimentos que me dominavam, que me devoravam. Queria gritar, queria dizer: 'Parai, bárbaros!', mas faltou-me a voz. Além disso, os meus gritos teriam sido inúteis. Enquanto vos açoitavam, dizia para comigo: ‘Como é possível que o amável Cândido e o sábio Pangloss se encontrem em Lisboa, um para receber um cento de açoites e o outro para ser enforcado, por ordem de Monsenhor, o inquisidor, de quem sou a bem-amada? Pangloss enganava-me, pois, cruelmente quando me dizia que tudo ocorre no mundo pelo melhor.’

«Agitada, de cabeça perdida, ora fora de mim, ora prestes a morrer de fraqueza, enchia-me a cabeça a lembrança da carnificina de meu pai, de minha mãe e de meu irmão, a insolência do vilão soldado búlgaro, a navalhada que me deu, a minha servidão, o meu trabalho de cozinheira em casa do meu capitão búlgaro, o abominável D. Issacar e o vilão do inquisidor, o enforcamento do Dr. Pangloss, o miserere em cantochão enquanto vos açoitavam e, sobretudo, o beijo que me destes atrás do biombo, no dia em que vos vira pela última vez. Dava graças a Deus que vos trazia de novo até mim, depois de tantos sofrimentos. Recomendei à minha velha que cuidasse de vós e vos trouxesse a esta casa logo que fosse possível. Ela cumpriu cuidadosamente as minhas ordens. E eu saboreei o prazer inexprimível de vos tornar a ver, de vos ouvir e conversar convosco. Mas deveis estar com uma fome devoradora.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113