Robinson Crusoe - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 170 / 241

Ele dirigiu-me então algumas palavras que não pude compreender mas que pareceram tanto mais doces quanto era o primeiro som de voz humana que, à excepção do meu, me ferira os ouvidos desde há vinte e cinco anos; mas o momento presente não era propício a tais reflexões; o selvagem tinha voltado a si e recuperado as forças suficientes para se pôr em segurança, e percebi que o meu, pois assim o considerava, começava a amedrontar-se; apesar de tudo, a partir do momento em que me viu apontar àquele desgraçado a segunda escopeta, deu-me a entender que lhe desse o sabre, que pendia nu das minhas costas. Mal lho dei, correu direito ao inimigo e, com um só golpe, cortou-lhe a cabeça com tanta perfeição como o teria podido fazer o mais hábil carrasco da Alemanha. Isto pareceu-me muito surpreendente da parte de um homem que nunca devia ter visto em toda a sua vida outros sabres que não fossem os de madeira dos selvagens; mesmo assim, vim a saber mais tarde que a madeira com que fazem essas suas armas é tão dura e o corte tão agudo que podem de um só golpe cortar uma cabeça ou um braço. Após este feito de armas regressou a rir às gargalhadas em sinal de triunfo e, com mil gestos, cujo sentido eu desconhecia, depositou a meus pés o sabre juntamente com a cabeça do selvagem.

Mas o que o admirou sobremaneira foi o modo como eu matara o outro a uma distância tão grande e, dando conta disso, pediu-me por sinais licença para ver de perto a arma. Quando se aproximou a sua surpresa mais se acentuou; mirou-a, voltou-a de um lado para o outro, examinou a ferida que a bala fizera no meio do peito e de onde pouco sangue saíra, sem dúvida por causa de ter havido derrame para a parte interior, já que o desgraçado estava morto e bem morto.

O meu selvagem tirou-lhe o arco e as flechas, vindo a seguir ao meu encontro. Dispus-me então a partir e convidei-o a seguir-me, fazendo-o compreender que receava ver chegar os selvagens em maior número. Fez-me sinais, indicando que ia enterrar os mortos, para que se os inimigos passassem por ali não os descobrissem.





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