Após três dias de ausência regressei a casa (assim chamava à minha gruta e à tenda); mas antes de lá chegar, as uvas, demasiado maduras, estragaram-se completamente, em termos de eu não poder comer uma só: as cidras tinham-se conservado em muito bom estado, mas infelizmente havia poucas.
No dia seguinte, que era 19, voltei para buscar a minha colheita com dois pequenos sacos que fizera. Fiquei surpreso quando vi os cachos, que na véspera estavam tão apetecíveis e formosos, estragados, espalhados pelo chão e quase todos comidos. Supus que 'devia haver ali perto alguns animais silvestres e que seriam eles os autores do estrago; mas ignorava a que espécie pudessem pertencer.
Entretanto, vendo-me na alternativa de deixar a fruta abandonada ou de levá-la no saco, e, como neste caso, teria de ir apertada e se esmagaria, e no outro, se destruiria completamente, escolhi um novo meio: arranquei uma grande quantidade de cachos e pendurei-os nas ramagens das árvores, para que o solo secasse; quanto aos limões e às cidras levei tantos quantos as minhas costas puderam aguentar. No regresso daquela pequena viagem encheu-me de admiração a fecundidade do vale e a sua formosa situação ao abrigo das tempestades, perto do rio e do bosque; por fim, concluí dizendo que o local onde fixara a minha casa era, sem dúvida, o pior de toda a ilha. Pensei logo em mudar-me e escolher, se isso fosse possível, em tal terreno fértil e maravilhoso, um lugar tão seguro como aquele em que vivia agora.
Semelhante projecto rondou-me muito tempo a imaginação, e bastante me preocupou, porque o sítio possuía muitas vantagens. Mas, considerando as coisas mais de perto, reflecti que a minha morada actual se achava perto da costa, onde talvez o destino conduzisse alguns desgraçados náufragos como eu, e que, apesar das poucas probabilidades de que tal acontecesse, retirar-me para os bosques e para as montanhas seria prolongar o meu cativeiro e renunciar a todos os meios de liberdade. Resolvi, por conseguinte, não me mudar para ali.