Como explicar aquele fenómeno? Eu apenas possuía duas gatas. Fosse como fosse, a reprodução daqueles animais encheu-me de espanto, pelo que necessário se tornou afastá-los da minha casa e exterminá-los como bichos daninhos.
Entre 14 e 26 de Agosto choveu sem interrupção. Não pude sair porque tinha o maior cuidado em evitar a humidade. Durante uma tão demorada clausura os víveres escassearam, pelo que me aventurei a sair duas vezes: na primeira matei uma lama; na segunda encontrei uma grande tartaruga, que constituiu para mim um verdadeiro maná. Ordenei as refeições do modo seguinte: de manhã comia um grande cacho de uvas; à hora do almoço um bocado de lama ou de tartaruga assado, pois, por infelicidade, não dispunha de recipiente para os guisar; e para cear, dois ou três ovos de tartaruga.
Enquanto a minha reclusão durou, trabalhei regularmente duas ou três horas por dia a aumentar a gruta e, aprofundando sempre um lado do penhasco, cheguei a furá-lo de uma ponta à outra e a praticar uma saída que ficava fora do meu recinto. Mesmo assim, em meu entender, não estava inteiramente protegido: se tivesse deixado as coisas no seu estado primitivo, o meu sistema de circunvalação teria sido perfeito; de modo que já não me considerava então seguro. Era, na verdade, um temor vão, porque o maior animal que tinha visto em todo o tempo que permaneci na ilha fora a lama.
30 de Setembro. - Chegou, por fim, o funesto aniversário do meu naufrágio; somei os traços feitos no poste, e obtive o resultado de que fazia trezentos e sessenta e cinco dias que me encontrava naquelas paragens.
Observei o aniversário com um dia de jejum solene, todo consagrado a práticas religiosas. Até então jamais guardara qualquer domingo, porque como a princípio carecera de sentimentos religiosos, havia omitido, ao fim de algum tempo, de assinalar as semanas, fazendo o domingo com um traço mais comprido do que os dias de trabalho; de modo que não podia distinguir uns dias dos outros.