Ecce Homo - Cap. 3: Porque sou tão sagaz Pág. 21 / 115

para chegar a possuir o mais alto grau de «virtude», segundo o estilo do Renascimento, de virtude liberta de todo o elemento moral?» Neste ponto, são as minhas experiências o pior que é possível; estou espantado de tão tarde ter prestado ouvidos a tal pergunta, de ter tão tarde aprendido a «razão» de tais experiências. Só a futilidade completa da nossa cultura alemã - o seu «idealismo» - me explica por que motivo, e justamente aqui, tive algumas relações com a santidade... A cultura alemã, que ensina, de início, a perder de vista a realidade, e a ir à caça de objectivos inteiramente problemáticos chamados «ideais», à caça, por exemplo, da «cultura clássica»: como se não fosse coisa condenada desde todo o princípio ligar «clássico» e «alemão» numa só forma de conceber! Dizendo tudo, e só mencioná-lo faz despontar o riso: pense-se num habitante de Leipzig com uma «cultura clássica»!

De facto, sempre até aos anos de maturidade comi mal, ou falando moralisticamente, diria que comi de maneira «impessoal», «desinteressada», «altruísta», para glória dos cozinheiros e de outros irmãos em Cristo. Adoptando a cozinha de Leipzig, por exemplo, na mesma época em que empreendia o meu estudo de Schopenhauer (ano de 1865), negava muito a sério a minha vontade de viver. Arruinar o estômago e alimentar-se ao mesmo tempo de modo deficiente, eis um problema que a aludida cozinha se me afigura resolver de modo muito satisfatório. (Diz-se que o ano de 1866 trouxe neste ponto melhoria). Quantas coisas, por tal estão, não tem, entretanto, na consciência a cozinha alemã em geral! A sopa antes da refeição (ainda em livros venezianos de arte culinária do século XVI se designa isso como «à maneira alemã»); a carne muito cozida; a hortaliça grossa e suculenta; a degenerescência dos bolos, até fazer deles pesa-papéis.





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