Ecce Homo - Cap. 1: INTRODUÇAO Pág. 3 / 115

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Entre os meus escritos, Zaratustra vive por si. Outorguei com ele à humanidade o maior dom que esta recebeu, fosse de quem fosse. Este livro, cuja voz se eleva por cima dos séculos, não é apenas o maior livro que existe, o verdadeiro livro da atmosfera das alturas - todo o humano se encontra muitíssimo abaixo dele é também o mais profundo nascido de uma interior riqueza de verdade, poço inesgotável em que nenhum alcatruz desce sem voltar à superfície repleto de ouro e de bondade. Quem aqui fala não é um «profeta», um daqueles horríveis híbridos da carência e da vontade de poder que têm o nome de fundadores de religiões. Antes de mais nada, cabe ouvir exactamente a voz que sai desta boca, voz alciónica, para não ofender impiedosamente o sentido da sua sabedoria.

«São as palavras mais suaves que levantam tempestades; os pensamentos que fazem caminho a passo de pomba dirigem o mundo».

«Os figos caem das árvores, são bons e doces: ao caírem rasga-se-lhes a pele rosada. Sou para os figos maduros o vento Norte».

«Assim, semelhantes aos figos, caem entre vós, amigos, as minhas palavras sábias; bebei sua doçura, nutri-vos da sua doce polpa! Reinam em volta de mim o Outono e o céu puro e meridiano!»

Aqui não fala um fanático, não se «predica», nem se pede fé: de uma infinita plenitude de luz, uma profunda felicidade cai, gota a gota, palavra a palavra: o ritmo deste discorrer é o da suave lentidão. Tais coisas só acontecem aos eleitos: é privilégio sem igual ser ouvinte aqui. E a quantos é dado ter ouvidos para Zaratustra? Apesar de tudo, não é acaso Zaratustra um sedutor? Que diz ele quando regressa à sua solidão? Exactamente o contrário do que em situação análoga diriam um «sábio», um «santo», um «salvador do mundo» e mais decadentes.





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