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Capítulo 3: Porque sou tão sagaz

Página 34
..,
Luzes, canções e gôndolas
para o crepúsculo vogavam.


E na minha alma, acorde de uma lira,
como que rocada por mão invisível,
a secreta canção do gondoleiro,
vibrava de ventura melancólica.
- Ah, se alguém a escutasse!...

Em tudo isto, na escolha do estado, do lugar, do clima e do divertimento, domina um instinto de conservação que mais claramente se explica como instinto de auto-defesa. Não ver nem ouvir em demasia não deixar que de nós se aproximem, eis a primeira 'sabedoria, e portanto a primeira prova de que não se é um acaso, mas uma necessidade. A palavra corrente para este instinto de auto-defesa é: «gosto». O seu imperativo manda-nos não só dizer «não» quando o «sim» seria indiferença, mas também dizer «não» o menor número de vezes possível. Convém evitar as situações que, por defesa, exigiriam a constante negativa. A razão está em que os dispêndios com fins defensivos , mesmo mínimos, quando s,e convertem em regra e hábito, determinam um empobrecimento completo, extraordinário e supérfluo. Os nossos grandes dispêndios são os pequenos «nãos» frequentemente repetidos. A atitude de defesa, o não deixar que os outros se aproximem, constituem, não nos enganemos neste ponto, dispêndio de energia, força delapidada com resultados negativos. Quando se persiste no penoso estado de defesa, podemos chegar a debilidade t'8JI, que, a sair da minha casa, se em vez de tranquila e aristocrática Turim, encontrasse uma pequena cidade alemã, o meu instinto ter-se-ia fechado para repelir tudo quanto daquele mundo superficial e cobarde pretendesse invadi-lo. Se encontrasse a grande cidade alemã, esse vício organizado onde nada cresce e onde todas as coisas boas e más, se confundem... não deveria eu então converter-me num ouriço? Mas ter espinhos é uma dissipação e até luxo paradoxal, quando nos é dado não ter espinhos mas mãos abertas.

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pág. 34 (Capítulo 3)

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Capa do livro Ecce Homo
Páginas: 115
Página atual: 34

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
INTRODUÇAO 1
Porque sou tão sábio 5
Porque sou tão sagaz 20
Porque escrevo tão bons livros 41
A Origem da Tragédia 52
Considerações intempestivas 58
Humano, demasiado Humano 64
Aurora 71
O Alegre Saber 75
Assim falou Zaratustra 76
Para além do Bem e do Mal 91
Genealogia da moral 93
Crepúsculo dos ídolos 95
O caso Wagner 98
Por que sou uma fatalidade 106