Outra sabedoria e defesa de nós próprios consiste em reagir o menos possível, subtraindo-nos às situações e condições por virtude das quais nos veríamos condenados a suspender de certo modo a nossa liberdade e a nossa iniciativa, para nos tornarmos um simples órgão de reacção. Adopto como termo de comparação as nossas relações com os livros: o sábio que se contenta de compulsar volumes - no filólogo de aptidões médias eleva-se o número a uns 200 por dia - acaba por perder completamente a capacidade de pensar por si próprio. Se não mexe em livros, não pensa; responde, quando pensa, a uma excitação (uma ideia lida) e limita-se, por fim, a reagir. O sábio gasta toda a sua energia em dizer sim e não, na crítica do que foi pensado por outros; mas por si próprio, já não pensa. Enfraqueceu nele o instinto de defesa; caso contrário, pôr-se-ia em guarda contra os livros. O sábio é um decadente. Vi com os meus próprios olhos seres bem dotados, de forte originalidade, que ao chegarem aos trinta anos se corromperam pela leitura. Tal como os fósforos, esses, para darem luz, «ideias», carecem de fricção, Ler um livro nas primeiras horas da manhã, quando o dia começa, quando o espírito possui toda a frescura, isso então chamo-lhe eu vício!
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Ao chegar a este ponto não posso já adiar a verdadeira resposta à pergunta: como se chega a ser o que se é? Atinge-se deste modo a obra-prima da arte da conservação de si mesmo - a arte do egoísmo... Se admitimos, com efeito, que tanto a tarefa como o motivo ou o propósito dela são bem nossos, ou próprios de nós, não haverá nenhum perigo em defrontar a tarefa. Chegar a ser o que se é, isto leva a supor que não se tem dúvida alguma a respeito do que se é. Considerados deste ponto de vista, os erros que na vida praticamos assumem sentido e valor próprios.