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Capítulo 17: XVI - O que é a vida?

Página 105

O olhar reluz-lhe e a sua voz, através do pano que lhe tapa a cara, parece provir dum túmulo.

– Leve-nos! mostre-nos o oiro, as árvores, os montes todos de oiro, mostre-nos a vida!

– É impossível...

– Oh não saber nunca o que é amar, viver como os outros que se podem rir – e ser só, ser diferente!... Eu vi!

eu vi!... Mas não, eu não sou amigo do sol nem das árvores! Tenho a minar-me a alma uma ferida como esta... Os risos com que os outros se riem, os seus risos – e eu sem boca para rir!... Esta ferida come-me a vida – e triste vida de aflição a minha! Fui sempre doente. Até em pequeno senti a piedade agasalhar-me. Porque é que Deus faz nascer criaturas com vida e dá a outras um quinhão de negrura? Tenho frio e fome de sol, de saúde, de forças e vivo gelado, sempre gelado, e sem poder olhar nada no mundo sem sentir rancor. Tenho inveja até da terra onde nascem pedras e cardos, porque ela ao menos não sofre. Dêem-me o quinhão de risos que me pertence!... Se eu te escancarasse a minha alma, tu a verias transida, negra, mirrada... Ouvi dizer – é certo? – que até as árvores noivam... Eu apenas sei que existe a inveja, a dor e a enfermaria, onde o próprio sol requentado sabe a hospital. E nunca ninguém quis saber de mim, nunca! Que me dera beijar! ter boca para beijar!

ter boca para beijar! Diz-me: há porventura pedras nojentas?

Arrancou o pano da casa e uma fisionomia de túmulo, onde os dentes surdiam pela carne dilacerada, rompeu de entre os trapos que a cobriam.

– Olha! olha pra mim!...

Saíram – e atrás de todos, não tendo dito palavra, caminharam os pobres, curvos, descalços, resignados.

Havia-os gastos pela dor; havia-os tirando o pão da boca, para o repartirem; havia-os com uma vida de lágrimas.

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pág. 105 (Capítulo 17)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 105

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154