O olhar reluz-lhe e a sua voz, através do pano que lhe tapa a cara, parece provir dum túmulo.
– Leve-nos! mostre-nos o oiro, as árvores, os montes todos de oiro, mostre-nos a vida!
– É impossível...
– Oh não saber nunca o que é amar, viver como os outros que se podem rir – e ser só, ser diferente!... Eu vi!
eu vi!... Mas não, eu não sou amigo do sol nem das árvores! Tenho a minar-me a alma uma ferida como esta... Os risos com que os outros se riem, os seus risos – e eu sem boca para rir!... Esta ferida come-me a vida – e triste vida de aflição a minha! Fui sempre doente. Até em pequeno senti a piedade agasalhar-me. Porque é que Deus faz nascer criaturas com vida e dá a outras um quinhão de negrura? Tenho frio e fome de sol, de saúde, de forças e vivo gelado, sempre gelado, e sem poder olhar nada no mundo sem sentir rancor. Tenho inveja até da terra onde nascem pedras e cardos, porque ela ao menos não sofre. Dêem-me o quinhão de risos que me pertence!... Se eu te escancarasse a minha alma, tu a verias transida, negra, mirrada... Ouvi dizer – é certo? – que até as árvores noivam... Eu apenas sei que existe a inveja, a dor e a enfermaria, onde o próprio sol requentado sabe a hospital. E nunca ninguém quis saber de mim, nunca! Que me dera beijar! ter boca para beijar!
ter boca para beijar! Diz-me: há porventura pedras nojentas?
Arrancou o pano da casa e uma fisionomia de túmulo, onde os dentes surdiam pela carne dilacerada, rompeu de entre os trapos que a cobriam.
– Olha! olha pra mim!...
Saíram – e atrás de todos, não tendo dito palavra, caminharam os pobres, curvos, descalços, resignados.
Havia-os gastos pela dor; havia-os tirando o pão da boca, para o repartirem; havia-os com uma vida de lágrimas.