– Olha: sofrer não importa, sofrer na vida, que importa? Tu imaginas que o que se sofre se perde? As lágrimas e as dores vão criar, para depois, alguma coisa de extraordinário. Do que se espezinha vem sempre a nascer. E se tu amaste e se riram de ti, alguma coisa brotou, que se não extingue e germina com as tuas lágrimas e os teus gritos. Amaste?
– Tudo perdi! tudo perdi!... Não fales! oh não fales!
não me lembres!...
– Se tu amaste e sofreste nada é perdido. As tuas mãos estão geladas, mas as minhas ardem.
– Eu já não sinto o frio... Só me sinto de rastros, pequenina e perdida... Oh dói-me e tenho pena de mim.
Tu para que falas? De que serve a gente lembrar-se? Para chorar? É melhor dormir, dormir sempre...
– Nada é perdido. Olha: vai-se criando com as nossas aflições e os nossos gritos uma outra terra!...
– Aonde?
– Uma terra toda alma, cria-se, para depois, quando à última dor, aos últimos gritos, se esbrasear...
– Conta! conta-me!
– Escuta: quando se traz um sonho... Sabes, um sonho?
– Um sonho?! Não me lembro!
– Um sonho é como se tivéssemos na alma um mundo maior que este. Todo em fogo... Quando se traz um sonho e se sofre, mais ele cresce. Tanto mais puída é a matéria, mais ele arde!... Isto não se perde... Constrói-se das nossas lágrimas... É um palácio. As pedras de que é feito são os gritos... Sabes?
– Um sonho!...
– Tudo se ilumina dentro de nós. E a cada humilhação ele se torna maior. Depois que sofri, é que comecei a ver o que nunca tinha pressentido. Tudo.
Sabes, as árvores, as nuvens, as estrelas? vejo-as agora transformadas, de fogo. Arde... Nunca é noite. E tanto mais sofro, mais se ateia o meu sonho.
– Não sei nada.
Ambos se perdiam, unidos, gelados, na escuri dão.