Os Pobres - Cap. 1: Carta-Prefácio Pág. 12 / 158

Deus, beatitude eterna, vive e sustenta-se das dores infinitas do universo. Deus como corpo, como natureza, sofre infinitamente; mas Deus, espírito puro, Deus, amor absoluto, não sente dor nem sofrimento. É a bem-aventurança e a glória eterna, porque eternamente triunfa dos sofrimentos eternos do seu corpo. O santo verdadeiro dá-nos a imagem pálida de Deus. Deus é o santo perfeito, o Cristo absoluto e universal.»

Adoramos, pois, o mesmo Deus, unificamos a vida na mesma síntese. Mas o autor dos Pobres não desvendou, ideologicamente, abstractamente, o segredo da natureza, a explicação religiosa e intima da vida universal. Não a estudou como filósofo, descarnando-a, dissecando-a, até lhe descobrir as leis inalteráveis e recônditas da sua estrutura evolutiva. Não fez do cérebro um instrumento de visão, agudo e claro, gélido e penetrante, com ele interrogando, dia a dia, no sorvedoiro cósmico, o borbulhar infinitiforme da existência. Não mediu a vida a compasso, não a formulou em teoremas ou equações. Viveu-a. O seu livro não é a história dialéctica da razão dum homem, sistematizando e codificando a natureza. Não é a história dum encéfalo, desdobrada em ideias. É a história dum homem, a história plena e formidável dum organismo inteiro, – da carne e dos ossos, do sangue e das lágrimas, das mãos que abençoam e que destroem, dos olhos que choram e que fulminam, da boca que reza e que tritura, da alma do lobo, que vem de Satanás, da alma do anjo que se encaminha para Deus. Sim, a história universal dum homem, gemida e rugida, furiosa e cândida, não para que Deus mundo lha ouça (então seria hipócrita) mas para que Deus lha escute, na eternidade e no silêncio. É a confissão clamorosa, satânica ou celeste, das energias infinitas, evolutivamente amalgamadas e condensadas no mistério pávido dum homem.





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