Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 1: Carta-Prefácio

Página 13
O abismo insondável, retraindo-se, cristalizou num ponto; e esse ponto, adquirindo voz, confessou o abismo, revelou o insondável. Almas inúmeras se agrupam na alma sintética e central. Há em cada alma infinidades de almas.

E umas tão horríveis e loucas, que as escondemos para que as não vejam, e outras tão inconscientes e profundas que, habitando connosco, as não chegamos sequer a conhecer. O poeta dos Pobres conheceu-as e confessou-as todas. Desde a mais clara à mais crepuscular e tenebrosa, irradiou-as todas plenamente, no estado nascente, ingénuas e vivas, sem ocultar um única.

O seu Deus não é o último termo duma cadeia lógica de silogismos. Não o descobre pela razão, atinge-o pela emoção. O meu amigo não raciocina, isoladamente, com o encéfalo. Raciocina de chofre e com todo o corpo. As ideias brotam-lhe espontâneas, como o sangue da facada ou a flor da haste. Palpitam de vida, mas vida viva, – no estado genésico. Não falam, não discursam, não discorrem. Gritam, uivam, ululam, gemem, rezam, blasfemam. Ciclones de ais, de orações, de imprecações, de fúrias, de lamentos. O meu amigo pensa, forma juízos, como as electricidades formam raios.

O seu Deus é a expressão da sua emotividade. Ou, bem no fundo, da sua moralidade. Só crê em Deus, só descobre Deus, quando em si, pela virtude, momentaneamente o realiza, ou tenta realizar. Se a bondade e a paz lhe existem no coração, a natureza resolve-se-lhe em Deus, em amor supremo. Mas, daí a instantes, o egoísmo invade-o, e não é já em Deus, é na química, que a explicação do mundo lhe aparece. Qual a fonte do ser, a razão da vida? É o acaso, é o apetite, é o amor, é Deus ou Satanás, conforme as horas ou os dias, conforme o equilíbrio instável da sua carne e do seu espírito.

<< Página Anterior

pág. 13 (Capítulo 1)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 13

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154