Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 22: XXI - A Morte

Página 127
Se a fazem sofrer, a Mouca chora. Um dia ao ver que batiam em Sofia diz-lhe:

– E se nós nos matássemos?

– Cala-te! cala-te!

– Sabe a menina? Eu não sei que tenho, já não me importo de viver. Perdi o amor à vida. Olhe para o meu corpo. Já não tenho senão ossos. Porque será que a gente muda? Diga-me: é p’ramor do velho que se não quer matar?

– É, está calada.

– Eu cá sou assim, que quer? Às vezes, quando não tenho com quem falar, ponho-me a falar sozinha.

Antigamente não me lembravam coisas que me vêm agora à ideia. Esta vida sempre é mais negra, não é?

– É.

– Pois é, eu bem digo e mais não conheci outra.

Sempre a gente nasce com cada sina! Olhe, quando eu estiver pra morrer, não me deixe ir pra o Hospital.

– Não fales...

– Porquê? Eu bem sei como estou. Dá-se-me bem!

A gente tem de morrer, não é? Então quanto mais depressa melhor...

Uma noite que os ladrões espancaram Sofia, a Mouca pôs-se a olhá-la como um cão ao dono. Por fim disse-lhe:

– Vamos ambas ao rio, quer? Eu não me importo de morrer. Mais vale acabar. E a menina? Que ando eu a fazer neste mundo? Se a menina tem medo da água, eu deito-me primeiro ao rio.

– Não, deixa! não te aflijas!...

– Eu, sim! bem m’importo!...

De noite muitas vezes tinha aflições, sufocada.

Agarrada a Sofia:

– Oh valha-me!...

No entanto falava de curar-se, quando tornasse o sol. Por ora tudo estava transido.

– Na primavera...

– Sim, na primavera.

– Vês a Árvore, vê-la? Assim que tiver flor, é mais quentinho...

Mas veio março e depois abril e que transfor mação! Quase nada restava da Mouca, escárnio de ladrões e de soldados. Até a voz se lhe sumira...

Dia soturno, de névoa, cinzento e húmido. Começo da noite. Fora, na rua, lama e gritos; dentro as mulheres acendem um candeeiro fumarento.

<< Página Anterior

pág. 127 (Capítulo 22)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 127

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154