Na terra só os pobres sabem ser desgraçados.
Meia-noite! meia-noite!... Para que tudo se crie, para que o pó se transforme em vida, que é necessário?
Torrentes de chuva, oceanos de água. Eis a vida... Para que do que é matéria algo de radioso irrompa, que é preciso? Um atlântico de lágrimas.
Da matéria tem nascido à custa de gritos, de fibras torcidas, o imorredoiro espírito. Através das idades ele se criou, através da dor veio surgindo. O mundo espiritual é já hoje mais vasto que o mundo material. A dor é a primavera da vida. Para se entrar na vida ou para se entrar na morte há sempre gritos. A dor ara o céu cheio de estrelas e os seres humildes.
Que se cria de tudo isto? que é que se alimenta no infinito? Destes pobres espezinhados, revolvidos, nascem as coisas eternas – húmus, amálgama, protoplasma, espírito lácteo, com que se constroem os mundos. Na vala comum os seus corpos, cansados de sofrer, são a vida da terra: as arvores, o pão, as formas, a seiva esplendente. No infinito é da sua dor que se sustenta Deus.
Maio de 1899 / Janeiro de 1900.