O vento, que só em curtas rajadas e correntes de ar chegava àquele saguão, sacudia a luz das candeias para um e outro lado, enquanto caminhavam, até conseguirem abrigar-se no anfiteatro, onde se sentaram tranquilamente à espera. A toda a volta, ouvia-se o solene rugido londrino; mas, ali bem mais perto, o silêncio só era quebrado pelo som de passos deslocando-se de um lado para o outro no soalho do gabinete.
- Passa o dia a caminhar, Sr. Utterson - sussurrou Poole.
- É verdade... e a maior parte da noite. Só quando chega uma nova amostra do droguista é que há um pouco de sossego. Ah, fere a consciência dar descanso a um tal inimigo! Ai, senhor, há sangue mal derramado em cada um dos seus passos! Mas escute novamente, mais de perto... ouça com o coração, Sr. Utterson, e diga-me se aqueles são os passos do senhor doutor.
As passadas eram leves e estranhas; apesar de lentas, mantinham uma certa cadência; na verdade, eram muito diferentes do andar pesado e rangente de Henry Jekyll. Utterson soltou um suspiro.
- Há mais alguma coisa? - perguntou.
- Uma vez - respondeu Poole, acenando afirmativamente com a cabeça. - Uma vez, ouvi-o a chorar.
- A chorar? Como assim? - exclamou o advogado, sentindo um súbito calafrio de terror.
- A chorar como uma mulher ou uma alma perdida explicou o mordomo. - Afastei-me com uma dor tão grande no coração, que quase me fazia chorar também.
Os dez minutos haviam entretanto passado.