O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 92 / 102

Foi como uma bruma a dissipar-se; vi a minha a vida a desmoronar-se; e fugi da cena do crime, ao mesmo tempo exultando e tremendo com a volúpia do mal gratificada e estimulada, e o meu amor pela vida levado até ao extremo. Corri para a casa de Soho e (para reforçar a segurança) destruí os meus papéis; depois, andei pelas ruas iluminadas, no mesmo êxtase mental, regozijando-me do meu crime, gizando delirantemente outros para o futuro, e, contudo, apressando-me e escutando ainda, no meu estado de alerta, os passos do vingador. Enquanto preparava a bebida, Hyde ia entoando uma canção; ao bebê-la, brindou ao morto. As agonias da transformação ainda não tinham deixado de o atormentar e já Henry Jekyll, deixando correr lágrimas de gratidão e remorso, se ajoelhara e unira as mãos erguendo-as para Deus. O véu da autocomplacência rasgou-se de alto a baixo. Contemplei a minha vida como um todo: segui-a desde os dias da infância, quando caminhara pela mão do meu pai, através dos sacrifícios e das fadigas da minha vida profissional, até chegar uma e outra vez, como o mesmo sentido de irrealidade, aos malditos horrores daquela noite. Teria sido capaz de gritar bem alto; com lágrimas e orações, tentei apaziguar a imensidão de imagens e sons hediondos com que a minha memória me assaltava; mas, no meio das preces, a face medonha da minha iniquidade cravava o seu olhar impassível na minha alma. Quando a intensidade deste remorso começou a desvanecer-se, sucedeu-se uma sensação de alegria.




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