O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 94 / 102

Mas ainda pesava sobre mim a maldição da dualidade de propósitos; e, assim que o primeiro gume da minha penitência se esgotou, o lado inferior do meu ser, durante tanto tempo acalentado, e tão recentemente agrilhoado, começou a rosnar por liberdade. Não se dava o caso de eu querer ressuscitar Hyde; essa simples ideia bastava para me inquietar até à loucura: não, foi na minha própria pessoa que, mais uma vez, fui tentado a desprezar a minha consciência; e foi como um vulgar pecador secreto que, por fim, cedi aos assédios da tentação.

Tudo tem o seu fim; por maior que seja a sua capacidade, toda a taça acaba por transbordar; e essa breve condescendência ao meu mal acabou por destruir o equilíbrio da minha alma. No entanto, não fiquei alarmado; a queda parecia natural, como um regresso aos velhos tempos antes de ter feito a minha descoberta. Estava um belo e claro dia de Janeiro, húmido no chão, onde o gelo se derretera, mas com o céu límpido e sem nuvens; e o Regent's Park estava repleto de chilreios invernais e adocicado com odores primaveris. Sentei-me ao sol num dos bancos; a besta que habitava dentro de mim deleitava-se com os sabores da memória; o lado espiritual, um pouco sonolento, prometia a consequente penitência, mas ainda não se dispunha a começar. Reflecti que, afinal não era muito diferente dos meus semelhantes; e então sorri, comparando-me a outros homens, comparando a minha boa vontade activa à indolente crueldade da sua negligência. E, no preciso momento desse pensamento presunçoso, abateu-se sobre mim uma vertigem, uma náusea horrível e o mais mortífero tremor.





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