- Nunca me ouviu falar de Vítor Trevor? - perguntou-me. - Foi o único amigo que arranjei durante os dois anos que estive na Universidade. Não fui uma criatura muito sociável. Preferia meditar nos meus aposentos, pondo em prática os meus próprios métodos de raciocínio. Por isso nunca me misturava muito com os outros. Pela esgrima e pelo boxe, tinha certo gosto atlético. A minha linha de estudo era, nessa altura, inteiramente distinta da dos meus colegas. Portanto, eu não mantinha com eles nenhum ponto de contacto. Trevor foi o único amigo que fiz, e ainda assim devido ao seu bull-terrier me ter filado um calcanhar numa manhã em que descia à capela.
«Foi uma maneira prosaica de fazer amizade, mas eficaz. Fiquei de molho uns dez dias e Trevor costumava vir saber de mim. Ao princípio era uma conversa apenas de cinco minutos. Mas logo as suas visitas se prolongaram, e antes de terminar o período éramos amigos íntimos. Era um rapaz de coração nobre, com espírito e energia, e o verdadeiro oposto de mim em muitos aspectos. Mas descobrimos que tínhamos coisas em comum, e houve um laço de união entre nós quando verifiquei que, da mesma forma que eu, não tinha amigos. Finalmente, convidou-me a ir a casa do seu pai, em Donnithorpe, no Norfolk, e aceitei a hospitalidade durante um mês das férias grandes.
O velho Trevor era, evidentemente, homem de posses e prestígio.
Era juiz de paz e proprietário de terras. Donnithorpe é um lugarejo exactamente ao norte de Langmere, no distrito de Broads. A moradia era um edifício em madeira de carvalho e tijolo, de estilo antigo e um tanto esparramado. Uma bonita avenida, ladeada de tílias, dava-lhe acesso. Havia nas lagoas excelente pato-bravo para se caçar; uma pescaria admiravelmente boa, uma biblioteca pequena, mas seleccionada, comprada, como apreendi, ao primeiro morador, e um cozinheiro tolerável.