Eurico, o Presbítero - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 76 / 186

A alvorada começava a repintar na terra a claridade do Sol, escondido ainda no Oriente. Os godos, com as armas nas mãos, coroavam as ameias. Do alto de uma das torres Atanagildo observava a campanha, e a fronte entenebrecia-se-lhe com um véu de tristeza.

Naquela noite muitos nobres senhores de terras tinham chegado ao mosteiro, vindos da banda de Légio. Um numeroso exército de árabes aparecera subitamente na véspera junto aos muros da cidade, que logo fora acometida pelos pagãos. Era o que sabiam. Fugitivos desde o aparecimento dos inimigos, ao anoitecer haviam enxergado para aquela parte um clarão grande e duradouro. Se eram as fogueiras dos arraiais árabes, se o incêndio de Légio, não o podiam resolver: só, sim, que seria impossível resistir por largo tempo cidade tão mal defendida a tamanha cópia de infiéis, que não tardariam a derramar-se para o lado do mosteiro, prosseguindo nas suas devastadoras conquistas pela Galécia e pela Tarraconense.

Era esta triste profecia dos fugitivos que se tinha verificado ao romper da manhã. Atanagildo, do alto da torre principal, vira ao longe um vulto negro que descia dos outeiros, onde já alumiava tudo a luz matutina. Esse vulto assemelhava-se a serpe monstruosa que, rolando-se do monte para a planície em colos tortuosos, se lhe reflectissem nas duras conchas os raios solares; porque naquele corpo gigante havia um contínuo e rápido cintilar. Atanagildo percebera o que era, e por isso a tristeza lhe obscurecia a fronte.

Como a faísca eléctrica, o terror espalhara-se no mosteiro apenas se dissera que os árabes se aproximavam. Mais de um coração de guerreiro batia apressado, como o do pobre ostiário que buscara na piedade de Deus o amparo que mal podia esperar das muralhas do forte edifício; do pobre ostiário, que, sem o saber, fora desmentir o hino triunfal da Cruz, diariamente derribada dos altares nos templos profanados da Espanha.





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