CRÓNICA-POEMA, lenda ou o que quer que seja. «Sou eu o primeiro que não sei classificar este livro; nem isso me aflige demasiado. Sem ambicionar para ele a qualificação de poema em prosa — que não o é por certo — também vejo, como todos hão-de ver, que não é um romance histórico, ao menos conforme o criou o modelo e a desesperação de todos os romancistas, o imortal Scott. Pretendendo fixar a acção que imaginei numa época de transição — a da morte do Império Gótico, e do nascimento das sociedades modernas da Península, tive de lutar com a dificuldade de descrever sucessos e de retratar homens que, se, por um lado, pertenciam a eras que nas recordações da Espanha tenho por análogas aos tempos heróicos da Grécia, precediam imediatamente, por outro, a época a que, em rigor, podemos chamar histórica, ao menos em relação ao romance. Desde a primeira até à última página do meu pobre livro caminhei sempre por estrada duvidosa traçada em terreno movediço; se o fiz com passos firmes ou vacilantes, outros, que não eu, o dirão.
Conhecemos, talvez, a sociedade visigótica melhor que a de Oviedo e Leão, que a do nosso Portugal no primeiro período da sua existência como indivíduo político. Sabemos melhor quais foram as instituições dos Godos, as suas leis, os seus usos, a sua civilização intelectual e material, do que sabemos o que era isso tudo em séculos mais próximos de nós. O esplendor dos paços, as fórmulas dos tribunais, os ritos dos templos, a administração, a milícia, a propriedade, as relações civis são menos nebulosas e incertas para nós nas eras góticas que durante o longo período da restauração cristã. E, contudo, o reproduzir a vida dessa sociedade, que nos legou tantos monumentos, com as formas do verdadeiro romance histórico temo-lo por impossível, ao passo que o representar a existência dos homens do undécimo ou dos seguintes séculos será para o que os tiver estudado, não digo fácil, mas, sem dúvida, possível.