Era ao cair do dia. O nordeste seco e regelado corria as campinas do espaço, onde, através da atmosfera puríssima, cintilavam as estrelas. O clarão de Segisamon incendiada reflectia de longe nas brancas tendas dos árabes, acampados a bastante distância dos muros da povoação destruída. Em volta do arraial, pelas coroas dos outeiros, acendiam-se as almenaras, a cuja luz, ténue, comparada com a do incêndio de Segisamon, se viam passar os atalaias nocturnos. Abdulaziz, semelhante a cometa caudato, seguia a sua órbita de extermínio, deixando após si vestígios de fogo. O exército devia ao romper de alva internar-se nos vales da Tarraconense.
Segisamon tinha na véspera oferecido um espectáculo semelhante ao de muitas outras cidades da Espanha levadas à escala pelos muçulmanos. Não só a cobiça e o desenfreamento da soldadesca multiplicavam aí as cenas de rapina, de violência e de sangue, mas também a política dos capitães árabes procurava aumentar a terribilidade desses dramas repetidos para quebrar os ânimos dos Godos e persuadi-los à submissão. O dia precedente a esta noite que começava tinha sido consagrado pelos vencedores ao repouso, depois de um duro lavor de morte e ruínas. Os jogos, os banquetes, as dissoluções de todo o género haviam recompensado brutalmente o esforço brutal dos destruidores de Segisamon.
Às coortes do renegado Juliano tocava nesta noite a vigia do arraial: eram os godos os que guardavam o campo, onde as virgens da Espanha tinham sido violadas; onde a Cruz cativa fora mais de uma vez ludibriada; onde os velhos sacerdotes haviam sofrido contentes o martírio no meio das afrontas. Aqueles homens perdidos, rodeando esse montão de abominações, ainda não fartos dos deleites infernais em que tinham tido parte com os infiéis, embriagavam-se, bebendo pelos vasos sagrados, e escarneciam blasfemos a crença da sua infância no meio de hedionda ebriedade.