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O sono ou a vigília, que me importa esta ou aquele? As horas da minha vida são quase todas dolorosas; porque a imaginação do homem não pode dormir.
Para o povo, ignorante e impiamente crédulo, a noite é cheia de terrores; em cada folha que range na selva ele ouve um gemido de alma que vagueia na terra; em cada sombra de árvore solitária que se balouça com a aragem sente o mover de um fantasma; as exalações dos brejos são para ele luz de demónios, alumiando folgares de feiticeiras.
Mas, quando jaz no leito do repouso, o seu dormir é tranquilo. Ao cruzar os umbrais domésticos esses terrores sumiram-se com os objectos que os geraram. A sua alma parece despir-se da fantasia grosseira, como o corpo se despe da estringe áspera que lhe resguarda os membros.
Não assim eu. Quando as pálpebras cerrando-se me escondem o mundo das realidades, os olhos do espírito volvem-se para o mundo das existências ideais. Às vezes, a felicidade e a esperança vêm consolar-me então; muitas mais, porém, os sonhos maus me perseguem; e por bem alto preço me saem os instantes de ventura transitória trazidos por visões consoladoras.
Esta foi para mim uma noite cruel. Ainda o suor frio que me corria da fronte se não secou; ainda o coração parece mal caber no peito, e o pulso bate desordenado e violento.
Terribilíssimos foram os sonhos que Deus mandou ao presbítero; mas, porventura, mais terrível é a sua significação.
Diz-me voz íntima que esse doloroso espectáculo a que assistiu a minha alma é, oh Espanha, o mistério dos teus destinos. E esta foi a visão: