- Não há um regato por aqui? - sussurrou.
- Há, sim. Fica na beirada do outro campo. Tem peixes, uns peixes grandes. Podes vê-los nadando nas lagoas, sob os chorões, abanando a cauda.
- É a Terra Dourada... quase - murmurou ele.- Terra Dourada?
- Não é nada. Uma paisagem que às vezes vejo em sonhos.
- Olha! - sussurrou Júlia.
Um tordo pousara num ramo, a menos de cinco metros de distância, quase na altura do rosto dos dois. Era possível que não os tivesse visto. Estava ao sol, e eles na sombra. Estirou as asas, tornou a fechá-las cuidadosamente, inclinou a cabeça por um instante, como que saudando o sol, e desencadeou uma torrente sonora. Dentro do silêncio da tarde era pasmoso o volume de som. Winston e Júlia deixaram-se ficar, muito juntos, imóveis, fascinados. A música continuou, minuto após minuto, com assombrosas variações, sem nunca se repetir, quase como se o pássaro estivesse a exibir, de propósito, o seu virtuosismo. Às vezes parava por alguns segundos, abria e fechava as asas, depois inflava o peito malhado e tornava a romper na cantoria. Winston observava-o com um ar de vaga reverência. Para quem, para o que, estaria o tordo cantando? Não havia nem companheira nem rival à vista.