Capítulo XV Winston acordara com os olhos rasos de água. Júlia rolou sonolenta para ele, murmurando algo que poderia ser “Que foi?”
- Sonhei - começou ele. E calou-se. Era complexo demais para traduzi-lo em palavras. Havia o sonho em si e havia, ligada a ele, uma lembrança consciente, que penetrara no seu espírito alguns segundos depois de acordar.
Deixou-se ficar de costas, olhos fechados, ainda embebido da atmosfera do sonho. Era um vasto sonho luminoso em que toda a sua vida parecia estirar-se diante dele como uma paisagem numa tarde de verão, depois da chuva. Tudo acontecera dentro do peso de papel, mas a superfície do vidro era a abóbada celeste, e dentro da abóbada estava tudo inundado de luz clara e suave na qual se podia enxergar distâncias intermináveis. O sonho também estava incluído com efeito, de certo modo consistira nisso - por um gesto do braço feito por sua mãe, e repetido trinta anos mais tarde pela judia que vira no cinema, tentando proteger o filhinho contra as balas, antes que os helicópteros fizessem explodir os dois.
- Sabes - perguntou - que até este momento eu acreditava ter assassinado a minha mãe?
- Porque a assassinaste? - indagou Júlia, quase a dormir.
- Não a assassinei. Não fisicamente.
No sonho, recordara-se da sua última visão da mãe, e alguns minutos após despertar havia voltado à mente um bando de pequenos acontecimentos com ela relacionados. Era uma lembrança que ele devia ter deliberadamente excluído da consciência durante muitos anos. Não tinha certeza da data, mas não podia ter menos de dez anos, talvez doze, quando sucedera. O pai sumira havia algum tempo; quanto tempo antes, não podia precisar. Lembrava-se