Capítulo IX Ia pela metade o expediente matutino e Winston saíra do cubículo para ir à toilette.
Uma figura solitária caminhava ao seu encontro, do outro extremo do corredor enorme, bem iluminado. Era a moça do cabelo escuro. Quatro dias se haviam passado desde o encontro diante da casa de quinquilharia. Quando se aproximou, viu que ela trazia o braço direito na tipoia, que se não distinguia a distância por ser da mesma cor que o macacão. Certamente machucara a mão fazendo girar um dos grandes caleidoscópios nos quais eram "criados" os enredos das novelas. Era um desastre comum no Departamento de Ficção.
Estavam a talvez quatro metros de distância quando a moça tropeçou e caiu de bruços. Soltou um grito de dor agudo. Devia ter caído sobre o braço ferido. Winston deteve-se. A moça levantara-se sobre os joelhos. Seu rosto estava de cor amarelo-creme, que fazia destacar a boca, mais vermelha que nunca. Fixava-o dentro dos olhos, com uma expressão implorante que parecia mais de medo que de dor.
Uma emoção estranha agitou o coração de Winston. Diante dele estava um inimigo que queria matá-lo; mas diante dele, também, havia uma criatura humana, sofrendo, talvez com um osso partido. Já se adiantara instintivamente para ajudá-la. No momento em que a vira cair sobre o braço vendado, sentira como que uma dor no próprio corpo.
- Magoaste-te? - indagou.
- Não é nada. Meu braço. Daqui a nada está bom.
Ela falou como se tivesse o coração agitado. Empalidecera fortemente.
- Não partiste nada?
- Não, estou bem. Doeu um pouco, mas já passou.
Deu-lhe a mão livre, e ele ajudou-a a levantar-se. Ela já recuperara um pouco do seu colorido e parecia estar melhor.