Capítulo XIX Estava deitado nalguma coisa que parecia uma cama de campanha, mais alta porém e sobre a qual estava fixado de maneira a não poder se mexer. Caía-lhe no rosto uma luz que parecia mais forte que a habitual. O'Brien estava de pé junto dele, fitando-o atentamente. Do outro lado havia um homem de avental branco, segurando uma seringa de injeção.
Mesmo depois de abrir os olhos só aos poucos foi compreendendo a forma das coisas. Tinha a impressão de ter chegado ali a nado, vindo de um mundo muito diferente, um distante mundo subaquático. Quanto tempo estaria ali, não sabia. Desde o momento da prisão não vira nem trevas nem a luz do dia. Além disso, sua memória não era contínua. Havia momentos em que a consciência, mesmo a consciência que se tem durante o sono, se interrompera de todo, recomeçando depois de um intervalo em branco. E não havia meio de saber se esses intervalos eram de dias, semanas ou apenas segundos.
O pesadelo começara com aquele primeiro golpe no cotovelo. Mais tarde, verificaria que aquilo tudo não passava de preliminar, de interrogatório rotineiro, a que todos os presos eram submetidos. Havia uma longa série de crimes- espionagem, sabotagem, etc. - que todos devia confessar, por praxe. A confissão era uma formalidade, embora a tortura fosse real. Quantas vezes fora espancado, e durante quanto tempo, não conseguia lembrar-se. Havia sempre cinco ou seis homens de uniforme negro ocupados com ele, simultaneamente. Às vezes eram os punhos, outras os bastões, ou varas de aço, ou botas. Ocasiões havia em que rolava pelo chão, desavergonhadamente, como um animal, encolhendo o corpo daqui e dali, num esforço infindo, inútil, de fugir aos pontapés, e com isso apenas atraindo mais e mais coices, nas costelas, na barriga, nos cotovelos, nas canelas, nas virilhas, nos testículos, no cócix.