Capítulo XII Winston olhou em torno do quartinho mal ajambrado sobre a loja do Sr. Charrington. Ao lado da janela, a cama enorme fora feita, com cobertores esfarrapados e um travesseiro sem fronha. O relógio antigo, de mostrador de doze horas, tiquetaqueava na lareira. No canto, sobre a mesa de abrir, o peso de papéis que ele comprara na última visita cintilava suavemente na semi-obscuridade.
Na guarda do fogão havia um veterano fogareiro a óleo, uma caçarola e duas xícaras, fornecidos pelo Sr. Charrington. Winston acendeu o fogo e pôs a panela de água a ferver. Trouxera um envelope cheio de Café Vitória e umas pastilhas de sacarina. Os ponteiros do relógio marcavam sete e vinte; na verdade eram dezanove e vinte. Ela devia chegar às dezanove e trinta.
“Loucura, loucura”, dizia-lhe o coração; loucura consciente, gratuita, suicida. De todos os crimes que um membro do Partido podia cometer, este era o mais difícil de ocultar. A ideia a princípio lhe viera à cabeça sob forma de uma visão do peso de vidro espelhado pela superfície da mesa de dobrar. Como previra, o antiquário acedera em alugar o quarto. Evidentemente, vinham a calhar uns dólares extra. Nem pareceu chocado ou desrespeitoso quando ficou claro que Winston queria o quarto com a finalidade de receber uma mulher. Ao invés, seu olhar perdeu-se na meia distância e ele falou de generalidades, com um ar tão delicado que parecia ter-se tornado parcialmente invisível. A possibilidade da solidão, disse ele, é muito valiosa. Todo mundo quer um lugar onde possa ficar só. E quando tem um lugar assim, é cortesia comum se calarem os que dele souberem. E apesar de parecer fanado e fora da vida, acrescentou até que a casa tinha duas entradas, sendo uma pelo quintal, que abria sobre o beco.