Capítulo V Na cantina de baixo pé direito, metida nas entranhas do solo, arrastava-se devagarinho a fila do almoço. A sala já estava atulhada, e o barulho era ensurdecedor. Da grade do balcão vinha uma nuvem de vapor de guisado, um cheiro metálico, azedo, que não chegava a dominar o odor do gin Vitória. Do outro lado da sala havia um pequeno bar, um simples nicho na parede, onde se podia comprar gin a dez centavos a dose grande.
- Exatamente quem eu procurava - disse uma voz atrás de Winston.
Voltou-se. Era o seu amigo Syme, que trabalhava no Departamento de Pesquisa. "Amigo" talvez não fosse a palavra correta. Não se tinham mais amigos, tinham-se camaradas; mas havia alguns camaradas cuja companhia era mais agradável que outros. Syme era filólogo, especialista em Novilíngua. Com efeito, fazia parte da enorme equipe de peritos empenhada na compilação da Décima Primeira Edição do dicionário da Novilíngua. Era um sujeito mirrado, menor que Winston, de cabelo escuro e olhos grandes, saltados, que eram ao mesmo tempo zombeteiros e tristonhos, e que pareciam examinar atentamente a face do interlocutor.
- Queria-te perguntar se tens uma gilete - disse ele.- Nenhuma! - respondeu Winston, apressado, como quem se sente culpado. - Procurei em toda parte. Não existem. Todo mundo vivia procurando gilete. Na verdade tinha duas lâminas, que estava escondendo. Havia meses que faltavam na praça. Em determinado momento, havia sempre algum artigo necessário que as lojas do Partido não tinham para fornecer. As vezes eram botões, outras linha para cerzir meias, outras atacadores para sapatos; no momento, eram lâminas de barba. Só podiam ser encontradas, com um pouco de sorte, numa busca furtiva no mercado "livre.