Os Pobres - Cap. 17: XVI - O que é a vida? Pág. 98 / 158

Porquê tudo isto? Para quê sofrer?

Ele e o Astrónomo ficaram um pedaço a cismar.

O que os prendia afinal à vida? em que criam? Nesse fim da tarde, chovia e aquilo era lúgubre: como que as coisas os empurravam para a morte. Na vida tudo lhes falhara e aos quarenta anos já se não constroem nuvens.

Só o Astrónomo se consumia ainda em sonho: os outros, sentindo-o feliz, puxavam-no para o fundo, como os afogados aos que se querem salvar.

– Sonhar! sonhar! – pregava.

– Sonhar, deixe-se disso!...

– Que querem se eu nasci para isto? Eu só vivo na solidão, e a vida para mim é sonhar. Como hei-de eu, que vivo lá em cima, pobre, com este casaco que de gasto nem sequer me aquece, compreender a existência? Dum lado estou eu misérrimo, do outro um turbilhão de astros... Quantas riquezas! Astros todos de oiro, astros de crime, plagas duma areia fina e rubra e depois largos oceanos desertos... Talvez o céu seja uma árvore sempre na primavera... Infinitos mundos, colossos mudos, que passam, e eu pobre, transido de frio, compreendo e vejo!... Depois, se desço cá pra baixo, nu, a vida parece-me triste e logo corro a refugiar-me no céu.

– Mas a natureza...

– Eu sei, eu vejo do meu quarto: havendo sol é belo: é tudo de oiro e verde. Sei que há árvores, o mar, rios, mas nunca ninguém os viu ao pé...

– Perdão! mas já muita gente... O amigo confunde!

– Na minha pobre cabeça tudo se confunde.

– Sempre sonhar, sempre sonhar! Eu por mim já estou farto de nuvens!

– E que querem que faça, se eu não sei mais nada?

Nem me sei rir, nem sei falar...

Falavam do suicídio, riam do Astrónomo – um sonhador! – e no fundo todos temiam a morte e quereriam ser como ele. Morrer sem ter vivido!... O que haviam tentado realizar, esse esforço para materializarem a própria alma, que outra coisa não é criar, dera-lhes como resultado um bloco gélido e informe, talvez vivo mas um bloco.





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