Por isso a morte os aterrava, a morte que era o nada para todos, até para o Pita então idealista. Sabiam que iam morrer sem ter vivido. A existência não era decerto como eles a haviam compreendido: alguma coisa lhes falhara. Tinham rido de tudo. Só a Morte ainda restava intacta, sem dedadas na sua roupagem negra, com todo o seu mistério e toda a sua beleza. Ela põe, até no homem que na terra representa a omnipotência, o banqueiro, arrepios de alucinação e terror, quando acaso a Havas diz à Terra que um Rotschild acabou duma forma idêntica à dum pobre diabo, ou dum poeta, ou dum santo.
Ela iguala, porque enfim é indiferente ir apodrecer num palácio de mármore ou na vala comum: ela mistura pobres com ricos, heróis e cépticos, egoístas e santos, e desse oceano negro não saem nem gritos, nem bênçãos, nem palavras. É o formidável, o misterioso silêncio.
Morrer, dormir, dormir! Sonhar talvez!... – Ela impõe-se ao homem, negra e férrea: quase sempre, porém, sob o seu manto tem claridades de relâmpago.
Nada lhe escapa, e se para uns é madrasta, para outros é noiva.
Os humildes, que vêm ao mundo para gritar, aqueles para quem a vida é aziaga e que vão de rastros até essa praia onde o mar desconhecido rola as suas ondas silenciosas, vêem-no dourado, cheio de claridade, numa madrugada eterna. Apenas caídos, exangues, sem fibra que não tenha sido torcida e despedaçada, sem boca para gritar – eles sabem-no – vão erguer-se e, transfigurados, embarcar nas naus que os esperam para uma viagem de maravilhoso sonho. Para os cépticos esse mar e negro, tumultuário, de horror, como aquele oceano nunca dantes navegado, onde só monstros cresciam.
Há pobres e tristes que passam a vida a esperá-la, a sonhá-la. Os humilhados, os ofendidos, amam-na porque ela iguala, os escravos porque ela liberta, e até os incompletos, aqueles a quem não é dado nem sonhar nem amar, porque nela deve existir o Sonho e o Amor.