Cândido - Cap. 16: CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões Pág. 52 / 118

Estavam cercados por uma cinquentena de orelhões todos nus, armados de flechas, cajados e machados de pedra. Alguns deles aqueciam água num grande caldeirão e outros preparavam espetos, gritando todos:

- É um jesuíta, é um jesuíta! Vinguemo-nos e banqueteemo-nos. Comamos o jesuíta, comamos o jesuíta!

- Eu bem vos disse, meu caro amo - exclamou Cacambo tristemente -, que as duas raparigas nos haviam de arranjar algum sarilho.

Cândido, ao ver a caldeira e os espetos, exclamara:

- Vamos certamente ser assados ou cozidos. Ah, que diria mestre Pangloss, se visse como é feita a natureza pura! Pode ser que tudo esteja bem, mas confesso que é bem cruel ter perdido a menina Cunegundes e ser assado num espeto pelos Orelhões.

Cacambo, porém, nunca perdia a cabeça.

- Não desespereis - disse ele ao desolado Cândido. - Eu conheço um pouco o dialecto destes povos e vou falar-lhes. - Não deixeis - recomendou-lhe Cândido - de lhes fazer ver como é desumano, horrível e pouco cristão comer carne humana.

- Senhores - disse Cacambo -, pelos vistos, contais hoje comer um jesuíta! Está certo, pois não há nada mais justo que tratar assim os inimigos. Na verdade, o direito natural ensina-nos a matar o nosso próximo, e é assim que se procede em todo o mundo. Se nós não usamos do direito de o comer, é porque temos outros alimentos para nos banquetearmos. Mas vós não tendes os mesmos recursos que nós, e na verdade mais vale comer os inimigos que abandonar o fruto da vitória aos corvos e às gralhas. Mas, meus senhores, não quereríeis, com certeza, comer os vossos amigos. Julgais ir assar no espeto um jesuíta, e afinal é o vosso defensor, o inimigo dos vossos inimigos, que ides assar.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113