Se cometi um pecado matando um inquisidor e um jesuíta, resgatei-o bem salvando a vida a estas duas raparigas. São talvez pessoas de categoria, e bem pode suceder que esta aventura nos traga grandes vantagens.
Ia continuar, mas a língua prendeu-se-lhe ao ver as duas raparigas a beijarem ternamente os dois macacos, debulhadas em lágrimas sobre os seus cadáveres, enchendo o ar de gritos angustiados.
- Não esperava encontrar tanta bondade de alma - disse ele por fim a Cacambo, que lhe replicou:
- Fizeste-la bonita, meu amo. Matastes os amantes destas meninas.
- Os amantes! Será possível? Estais a gracejar, Cacambo.
Porque afirmais tal coisa?
- Meu caro amo - respondeu Cacambo -, espantais-vos sempre com tudo. Por que razão havíeis de achar estranho que em alguns países haja macacos que obtenham as boas graças das damas? Eles são um pouco homens, como eu sou um pouco espanhol.
- De facto - replicou Cândido -, lembro-me de ter ouvido dizer ao Dr. Pangloss que outrora se verificaram acidentes semelhantes e que tais ligações tinham engendrado os faunos, os centauros, os sátiros, seres que foram vistos por várias personagens ilustres da antiguidade. Mas julgava que tudo isso fosse fábula.
- Deveis estar agora convencido - disse Cacambo - que é pura verdade. Vede como procedem em tal assunto as pessoas que não tiveram uma certa educação. O que receio é que estas damas nos arranjem alguma complicação.
Estas sólidas reflexões decidiram Cândido a deixar o prado e a esconder-se no bosque. Ceou na companhia de Cacambo, e ambos, depois de terem amaldiçoado o inquisidor de Portugal, o governador de Buenos Aires e o barão, adormeceram sobre a relva. Quando acordaram, viram que não podiam mexer-se, pois, durante a noite, os Orelhões, indígenas da região onde se encontravam, e a quem as duas raparigas os tinham denunciado, haviam-nos amarrado com cordas feitas de cascas de árvores.