Eurico, o Presbítero - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 15 / 186

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Era, pois, numa destas noites como a que desceu do céu depois do desbarato dos hunos; era numa destas noites em que a terra, envolta no seu manto de escuridade, se povoa de terrores incertos; em que o sussurro do pinhal é como um coro de finados, o despenho da torrente como um ameaçar de assassino, o grito da ave nocturna como uma blasfémia do que não crê em Deus.

Nessa noite fria e húmida, arrastado por agonia íntima, vagava eu às horas mortas pelos alcantis escaldados das ribas do mar, e enxergava ao longe o vulto negro das águas balouçando-se no abismo que o Senhor lhes deu para perpétua morada.

Por cima da minha cabeça passava o norte agudo. Eu amo o sopro do vento, como o rugido do mar:

Porque o vento e o oceano são as duas únicas expressões sublimes do verbo de Deus, escritas na face da Terra quando ainda ela se chamava o caos.

Depois é que surgiu o homem e a podridão, a árvore e o verme, a bonina e o emurchecer.

E o vento e o mar viram nascer o género humano, crescer a selva, florescer a Primavera; — e passaram, e sorriram-se.

E, depois, viram as gerações reclinadas nos campos do sepulcro, as árvores derribadas no fundo dos vales secas e carcomidas, as flores pendidas e murchas pelos raios do Sol do Estio; — e passaram, e sorriram-se.

Que tinham eles, de feito, com essas existências, mais passageiras e incertas que as correntezas de um e que as ondas buliçosas do outro?





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