Eurico, o Presbítero - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 29 / 186

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Eram as horas das trevas profundas. Sem saber como, achava-me no viso mais alto do Calpe: trespassava-me a medula dos ossos o vento frio da noite, e parecia-me que os membros hirtos se me haviam pregado no topo da penedia.

Olhava fito ante mim, e os meus olhos rompiam a escuridão do horizonte, como se a luz do Sol o iluminasse.

O espectáculo maravilhoso que se passava nesse espaço insondável fazia-me eriçar os cabelos, que o norte me açoutava com o sopro gelado.

Eis o que eu vi nessa hora de agonia, depois de estar ali alguns não sei se instantes ou séculos.

O mar cessou de agitar-se e rugir, semelhante ao metal fervente destinado para a feitura de estátua colossal que resfriasse de súbito em vasta caldeira.

Era horribilíssimo ver convertido em cadáver, de todo imóvel e mudo, o oceano; aquele oceano que há mais de quarenta séculos nem um só dia deixou de revolver-se e bramir em torno dos continentes, como o tigre ao redor da rês que jaz morta.

O sibilar das rajadas também cessou completamente. Parado sobre a face da terra, o ar era semelhante ao lençol do finado a quem recalcaram a gleba que o cobre, frio, húmido, pesado, sem ranger, sem movimento, cosido sobre o peito, onde acabou o bater do coração e o arfar compassado dos pulmões.





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