No acesso do meu furor, dividi entre os dois as armas que acabara de carregar: entreguei a Sexta-Feira uma pistola para pôr à cintura e três escopetas para pendurar no ombro; peguei também na outra pistola com as três escopetas que sobravam e, equipados desta maneira, saímos. Tinha guardado no bolso uma garrafinha de rum, e carregara Sexta-Feira com um grande saco de pólvora e balas. Dei-lhe por conselho que me seguisse sem se separar de mim um instante, nem mover-se, nem disparar, nem fazer coisa alguma sem que eu lho ordenasse e, sobretudo, que se abstivesse de falar. Em seguida descrevi um círculo para a minha direita de cerca de uma milha a fim de me acercar da enseada, atravessando o bosque, por forma a poder chegar ao alcance de tiro de espingarda dos selvagens antes de eles darem por mim, o que era muito fácil de conseguir como bem me assegurara com o óculo.
À medida que ia caminhando, voltaram a apresentar-se-me à imaginação os antigos escrúpulos e começaram a quebrantar a minha resolução. Não vá julgar-se que temia o número dos inimigos; aqueles selvagens estavam nus e sem armas; era seguramente superior a eles, mesmo que me encontrasse sozinho. Perguntei, porém, a mim mesmo que provocação ou que necessidade me obrigava a tingir as mãos de sangue, a atacar aquela gente que não me fizera nenhum mal, e que nem sequer tinha intenção de mo fazer. Em relação a mim estavam inocentes; os seus bárbaros costumes voltavam-se contra eles próprios; eram a prova de que Deus os abandonara, assim como a outros povos daquelas paragens, à sua estupidez e ao seu apetite feroz; mas Ele não me chamava a julgar das Suas acções, e menos ainda a ser o executor da Sua justiça; quando o tivesse por conveniente, tinha a causa deles nas mãos, e por um castigo nacional puni-los-ia como povo por um crime nacional. Naquilo, pois, não tinha qualquer jurisdição. É certo que Sexta-Feira podia justificar a dita acção, e atacá-los legitimamente, pois era seu inimigo declarado, mas eu não poderia fazer o mesmo.
